sábado, 13 de março de 2010

Cecília

CECÍLIA

Atrevi-me, neste sábado ensolarado, a escrever sobre minha experiência ao ler Cecília Meireles.
Necessidade de transbordar algo diante de tantas páginas lidas desde o carnaval – me impregnei de Cecília. Até tenho intimidade suficiente para chamá-la assim.

O que mais me fascina é que toda a vida literária dela foi forjada na dor – teoria que a maioria aceita: quanto mais doído mais se produz, se escreve. (Esta é minha opinião pessoal). Mas nem por isto sua obra é triste, depressiva.

Uma breve biografia para provar o que digo.
[Nasceu Cecília Benevides de Carvalho Meireles, no Rio de Janeiro,
em 07/11/1901. Perde o pai aos 3 meses de idade e a mãe aos 3 anos de idade. Foi criada pela avó portuguesa. Aos 21 anos (1922) casa-se com Fernando, pintor português, que suicidou-se após 13 anos de casamento (1935), com quem teve 3 filhas. A poeta, pintora, professora e jornalista, morre de câncer aos 63 anos de idade (09/11/1964).]

Meu primeiro contato com ela foi aos 15 anos, quando uma querida e amada professora de português (Angelina, saudade imensa...) me obrigou a ler “Romanceiro da Inconfidência” (1953). Agradeço a esta linda professora que me injetou o vírus da leitura.

De tempos em tempos, deparava-me com suas poesias, suas crônicas, mas nunca comprava livros.

Sempre li muito – tinha uma biblioteca inimaginável para uma jovem, alimentada pelos passeios em “sebos”, garimpando preciosidades e através dos familiares e amigos, sabedores da minha fome pelos livros. Depois, mulher, madura, continuava a cultivar este hábito.

Nos últimos 7 anos, acho, atingi um exílio literário em que não conseguia ler nada.
Neste período fui surfar na internet. Claro, que não por acaso, lá ia eu de novo atrás de textos interessantes, e achava ou Cecília ou Clarice Lispector, outra a qual “pertenço”.

(Abro aqui um parenteses para as pessoas especiais, poetas e escritores, sem nenhum livro publicado por pura falta de oportunidade, que me inspiraram a voltar a ler. Foi como se regassem meu ser com as palavras que derramaram em minha página do twitter, fazendo brotar novamente a paixão pela leitura.)

Neste carnaval de 2010, com a promessa de pelo menos quatro longos dias de descanso, aventurei-me em um livraria e toda segura de mim, respondi sem exitar: quero Cecília e Clarice!
(Acho que, no futuro, terei que escrever algo sobre Clarice também...)
Só haviam dois livros – um turista americano, que falava um pouco de português, havia estado lá e comprado todos os livros das duas. Relato do vendedor! Comprei o “Cecília de Bolso”, obra organizada pelo Carpinejar. O danado do garoto ainda me fêz comprar dois marcadores de livros, os quais me apaixonei na hora.
Fiquei feliz, mas como a fome ainda não estava totalmente saciada, fui ao sebo e achei outro dela: “Viagem / Vaga Mística” – dois livros editados juntos, uma pechincha de R$20,00.

Malas prontas, livros na bolsa para evitar extravios de bagagem – sempre levo o que há de mais precioso na minha bolsa de mão!

Cheguei. Calor absurdo! Fantasia adotada: camiseta, bermuda, havaianas.
Assim foram se passando os dias de televisão ligada, trios elétricos, escolas de sambas, beijos apaixonados na telinha, com volume bem baixinho, e os livros acoplados em meu corpo, tomando conta de mim.
Assustei-me com a emotividade que aflorava de vez em quando, e me obrigava a segurar insistentes lágrimas que teimavam em rolar – ler poesia é perigoso!

Vou colocar uma única poesia, imortalizada também na voz de Fagner (e que muita gente não sabe que a letra/poema é dela) pois é impossível selecionar algo - tudo é muito lindo:
“Motivo
Eu canto porque o instante existe/ e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias/ no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,/ - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: - mais nada.”

O carnaval passou, voltei a trabalhar, caí na real, mas os livros, e estes amigos especiais continuam ao meu lado.
Estou curada, peguei o vírus novamente!

Danke – Thank you – Merci – Obrigada, “Cecílias” !